segunda-feira, 18 de março de 2024

Visão Baseada em Recursos (RBV) e Capacidades Dinâmicas

    Ao estudar o processo de formação conceitual sobre capacidades dinâmicas, percebe-se que sua evolução está associada ao conceito de Visão baseada em Recursos – VBR (em inglês, Resource-Based View – RBV), que surgiu a partir das contribuições de autores como Penrose (2006) e Schumpeter (1982), entre outros autores considerados pioneiros em investigar o desempenho econômico das organizações a partir de fatores internos enquanto recursos, e que estes fatores seriam a fonte de vantagem competitiva destas organizações. No entanto, Penrose levou em consideração a “visão pontual“ de uso destes recursos, não considerando a criação de uma vantagem competitiva sustentável, ou seja, de uso destes recursos como fonte de vantagem competitiva a longo prazo (RUGMAN; VERBEKE, 2002). 
    Estes conceitos foram abordados com maior intensidade a partir das décadas de 1980 e 1990, em que autores como Wernerfelt (1984), Grantt (1991) e Barney (1991), seguiram uma linha de construção diferente do paradigma industrial consolidado, onde havia uma ênfase nos fatores externos da organização, mais especificamente, na estrutura de mercado, estabelecendo, portanto, um foco na relação entre estratégia e ambiente organizacional (PORTER, 1979; GRANT, 1991), assim como outras abordagens, associadas à teoria dos jogos, para associar a natureza competitiva das interações entre empresas rivais, estáveis e entrantes do mercado (DIXIT, 1980; TEECE; PISANO; SHUEN, 1997). A VBR proporcionou o desenvolvimento, com maior detalhe, dos aspectos inerentes aos recursos e, ao mesmo tempo, atualiza o conceito de Penrose, considerando que estes recursos podem gerar condições sustentáveis às organizações, de modo a não permitir que os concorrentes consigam replicar esta vantagem sustentável (BARNEY, 1991), até porque muitos destes recursos e competências são difíceis de serem desenvolvido rapidamente (DIERICKX; COOL, 1989; TEECE; PISANO, 1997). 
    Para Wernefelt (1984), uma organização pode obter vantagem em relação aos seus concorrentes ao posicionar seus recursos com mecanismos que promovem uma barreira de entrada em um determinado mercado. Em suma, a VBR assume o pressuposto de que o desempenho organizacional é explicado pela forma como os recursos organizacionais são utilizados. Estes recursos específicos da firma compõem um conjunto de características (de valor, raro, inimitável e insubstituível – VRIO) que podem gerar uma vantagem competitiva sustentável à organização detentora destes recursos, sendo direcionadores da estratégia organizacional (BARNEY, 1991; GRANT, 1991). Para esta abordagem, a rentabilidade da firma advém do modo como a organização utiliza estes recursos, em vez de uma mera estratégia de posicionamento de mercado (TEECE; PISANO; SHUEN, 1997). No entanto, duas críticas importantes são levantadas por Wang e Ahmed (2007), com base em outros estudos, no tocante às questões conceituais inerentes à VBR. A primeira é que a VBR se traduz em um conceito estático, isto é, que considera como premissa o uso de recursos heterogêneos para a obtenção de uma vantagem competitiva sustentável em um contexto de mercado estático, não levando em consideração a influência do dinamismo de mercado e suas condições para a necessidade de mudança e evolução destes recursos, sendo assim, improvável a obtenção de uma vantagem competitiva sustentável (EISENHARDT; MARTIN, 2000; WANG; AHMED, 2007). A segunda crítica trata da dificuldade da VBR em demonstrar que mecanismos pelos quais o uso destes recursos promove uma vantagem competitiva, ou seja, a VBR simplifica o processo de análise estratégica, considerando, de forma implícita, uma certa homogeneidade dos mercados (WANG; AHMED, 2007), sem levar em consideração a forma como estes recursos são conduzidos para a criação da vantagem competitiva. Considera-se que a criação e uma vantagem competitiva a longo prazo é irreal em mercados de alta velocidade ou bastante dinâmicos (EISENHARDT; MARTIN, 2000). Considerando essas questões, a teoria das capacidades dinâmicas surgiu como uma alternativa para avaliar como a organização combina seus recursos em prol de um desempenho superior aos seus concorrentes, de modo que estes recursos sejam reconfigurados, adaptados e integrados de acordo com o dinamismo do ambiente. Capacidades dinâmicas adaptam-se melhor às ameaças e oportunidades relacionadas ao ambiente organizacional (JUDGE; ELENKOV, 2005). 
    Neste contexto, o termo “dinâmico” se refere à condição que uma organização tem em renovar constantemente suas competências, de modo a alcançar a congruência com o negócio em ambientes de constante mudança, enquanto que o termo “capacidades” procura enfatizar o papel-chave da gestão estratégica organizacional em apropriadamente adaptar, integrar e reconfigurar habilidades, recursos e competências organizacionais internas e externas, requeridas pela mudança ambiental (TEECE; PISANO; SHUEN, 1997). Os primeiros estudos desenvolvidos acerca do tema tiveram uma abordagem teórica, bastante focada nas críticas em relação ao modelo VBR e os principais pressupostos e elementos conceituais das capacidades dinâmicas. Estes elementos conceituais possuem variações no que se refere à origem e formação das capacidades dinâmicas, o que torna ainda mais desafiador conhecer e esclarecer este campo temático. Em linhas gerais, o termo “capacidades” descreve o papel da gestão estratégica em apropriadamente adaptar, integrar e reconfigurar habilidades, recursos e competências organizacionais em decorrência das mudanças organizacionais. A premissa, para que se tenha uma capacidade organizacional, é que ela não pode ser replicada pelo mercado (TEECE; PISANO, 1994; TEECE; PISANO; SHUEN, 1997). 
     Na visão de Eisenhardt e Martin (2000), existem características que podem ser similares entre as capacidades desenvolvidas, mas isso não faz com que as capacidades dinâmicas particulares sejam exatamente iguais entre as organizações, porque a maneira como elas são formadas podem sofrer variação. Isto significa que a criação de valor para a obtenção de uma vantagem competitiva ou de um desempenho superior não reside na própria capacidade em si, mas na forma como são configurados estes recursos para formar estas capacidades. Portanto para os autores, ter capacidades dinâmicas não é uma condição suficiente para a obtenção de uma vantagem competitiva, embora ela seja necessária. Para Zollo e Winter (2002), capacidades envolvem um padrão de atividade aprendida e coletiva, no qual uma organização de forma sistemática altera suas rotinas operacionais em busca da melhoria da eficácia. Os métodos sistemáticos de alteração de rotina, segundo os autores, envolvem mecanismos de aprendizado, por meio da acumulação da experiência, da articulação e da codificação do conhecimento organizacional, de acordo com a Figura à seguir:


Um dos modelos mais conhecidos e aplicados no contexto acadêmico recente envolvendo capacidades dinâmicas foi desenvolvido por Wang e Ahmed (2007). Os autores estabelecem a capacidade dinâmica como sendo uma orientação comportamental constante da empresa em integrar, reconfigurar, renovar e recriar recursos e capacidades, atualizando e reconstruindo capacidades básicas em prol de um desempenho superior, considerando as capacidades como habilidades desenvolvidas pela organização, de acordo com a Figura 3. Para Wang e Ahmed (2007), as capacidades dinâmicas podem ser classificadas em três fatores ou componentes:

- Capacidade absortiva: habilidade de a organização reconhecer o valor de uma informação nova externa, e, além disso, assimilá-la e aplicá-la;

- Capacidade adaptativa: habilidade da organização em aproveitar oportunidades no mercado;

- Capacidade inovativa: habilidade da organização em desenvolver novos produtos e/ou mercados e alinhados ao contexto estratégico organizacional.



Segundo os autores, a formação de capacidades dinâmicas no meio organizacional se dá por meio de processos específicos da firma, associados à integração, reconfiguração, renovação e recriação. Estes processos ajudam a criar capacidades com características comuns relacionadas à absorção, adaptação e inovação, que, se alinhadas ao contexto ambiental de mercado, podem se tornar dinâmicas e se desenvolverem, alinhadas à estratégia organizacional, de modo a provocar uma melhoria de desempenho, e consequentemente, uma vantagem competitiva.

Assim, como forma de sintetizar as semelhanças e diferenças conceituais acerca dos principais estudos que trataram sobre a construção epistemológica das capacidades dinâmicas, tem-se o Quadro  em sequência:

Autores

Definição de capacidades dinâmicas

Teece e Pisano (1994); Teece, Pisano e Shuen (1997)

Enfatiza o papel-chave da administração estratégica em apropriadamente adaptar, integrar e reconfigurar interna e externamente a capacidade de organização, recursos e competências funcionais, requeridas pela mudança do ambiente.

Eisenhardt e Martin (2000)

São processos que usam recursos, especificamente os processos para integrar e reconfigurar recursos correspondentes às mudanças no mercado ou para criar mudanças no mercado.

Winter (2000; 2003)

Envolve uma rotina (ou coleção de rotinas) de alto nível que, em conjunto, conferem a gestão de uma organização um conjunto de opções de decisão para produzir resultados significativos a um tipo particular.

Helfat e Peteraf (2003)

Envolve adaptação e mudança organizacional, por meio da construção, integração, ou reconfiguração de outros recursos e capacidades.

Zollo e Winter (2003)

É um padrão de atividade coletiva e aprendida, através do qual a organização sistematicamente gera e altera as suas rotinas operacionais em busca da melhoria da eficácia.

Wang e Ahmed (2007)

É uma orientação comportamental constante da empresa em integrar, reconfigurar, renovar e recriar seus recursos e capacidades, como também atualizar e reconstruir suas capacidades básicas.


Ao observar estes conceitos, percebe-se que há uma semelhança entre os autores no que se refere ao desempenho superior como resultado a ser buscado para a obtenção de uma vantagem competitiva. As teorias da RBV e das capacidades dinâmicas veem a vantagem competitiva decorrente de rotinas de alto desempenho operacional, moldadas por processos, posições estratégicas ou trajetória organizacional (TEECE; PISANO; SHUEN, 1997). Este desempenho pode ser medido de diversas formas, como, por exemplo, considerando medidas de desempenho de mercado ou medidas de rentabilidade organizacional (WANG; AHMED, 2007), ou eficácia organizacional (ZOLLO; WINTER, 2002).

No entanto, há de se considerar que os conceitos de “capacidade” e “capacidade dinâmica” podem ser vistos de forma diferente pelos autores. Considera-se que existe um consenso na literatura atual sobre a divergência entre estes conceitos (WINTER, 2003). Wang e Ahmed (2007) estabelecem essa diferença, considerando que a capacidade dinâmica tem relação com um processo de dinamismo das capacidades alinhado ao dinamismo mercadológico, de forma constante, diferente de Teece e Pisano (1994) e Teece, Pisano e Shuen (1997) que não deixam claro esta diferença, considerando que toda capacidade envolve um dinamismo no processo de adaptação, integração e reconfiguração dos recursos organizacionais.

De fato, essas diferenças são esclarecidas em outros estudos, como, por exemplo, os estudos de Winter (2003) e Hine et al. (2013), que tratam da classificação das capacidades de uma organização do ponto de vista hierárquico. Winter (2003) considera que para que haja uma capacidade dinâmica, inicialmente, ela precisa formar capacidades básicas, isto é, uma combinação de recursos organizacionais em decorrência de um dinamismo do mercado. À medida em esta recombinação de recursos se torna constante, se tem a formação de uma capacidade dinâmica. 

Referências:

BARNEY, J. Firm resources and sustained competitive advantage. Journal of Management, v. 17, n. 1, p. 99-120, mar. 1991.

DIXIT, A. The role of investment in entry-deterrence. The Economic Journal, v. 90, n. 357, p. 95-106, mar. 1980.

EISENHARDT, K. M.; MARTIN, J. A. Dynamic capabilities: what are they? Strategic Management Journal, v. 21, n. 10-11, p. 1105-1121, out./nov. 2000.

GRANT, R. M. The resource-based theory of competitive advantage: implications for strategy formulation. California Management Review, v. 33, n. 3, p. 114-135, mar. 1991.

HELFAT, C. E.; PETERAF, M. A. The dynamic resource-based view: capability lifecycles. Strategic Management Journal, v. 24, n. 10, p. 997-1010, out. 2003.

JUDGE, W. Q.; ELENKOV, D. Organization capacity for change and environmental performance: an empirical assessment of Bulgarian firms. Journal of Business Research, v. 58, n. 7, p. 893-901, 2005. 

PENROSE, E. A teoria do crescimento da firma. Campinas: Unicamp, 2006.

PORTER, M. E. The structure within industries and companies’ performance. The Review of Economics and Statistics, v. 61, n. 2, p. 214-227, mai. 1979.

RUGMAN, A. M.; VERBEKE, A. Edith Penrose´s contribution to the resource-based view of strategic management. Strategic Management Journal, v. 23, n. 8, p. 769-780, Ago. 2002.

SCHUMPETER, J. A. The theory of economy development: an inquiry into profits, capital, credit, interest, and the business cycle. New Jersey: Transaction Publishers, 1982.

TEECE, D.; PISANO, G. The dynamics capabilities of firms: an introduction. Industrial and Corporate Change, v. 3, n. 3, p. 537-556, 1994.

TEECE, D.; PISANO, G.; SHUEN, A. Dynamic capabilities and strategic management. Strategic Management Journal, v. 18, n. 7, p. 509-533, ago. 1997. 

WANG, C. L.; AHMED, P. K. Dynamic capabilities: a review and research agenda. International Journal of Management Reviews, v. 9, n. 1, p. 31-51, mar. 2007.

WERNERFELT, B. A resourced-based view of the firm. Strategic Management Journal, v. 5, n. 2, p. 171-180, abr. /jun. 1984.

ZOLLO, M.; WINTER, S. G. Deliberate learning and the evolution of dynamic capabilities. Organization Science, v. 13, n. 3, p. 339-351, jun. 2002.


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